Cai Rajoy e assume oposição: entenda o novo capítulo da política espanhola

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Sánchez e Rajoy após votação da moção de censura (foto Uly Martín / El País)

Em uma semana a oposição conseguiu o que parecia impossível por aqui: reunir apoio suficiente para derrubar Mariano Rajoy, agora ex-presidente do governo espanhol – ou primeiro-ministro, já que o sistema é parlamentar. Pela primeira vez na história democrática da Espanha foi aprovada uma moção de censura, mecanismo previsto no parlamentarismo para destituir um governo.

A razão: mais um grande episódio de corrupção envolvendo o PP de Rajoy, partido tradicional de direita que vem acumulando escândalos. Agora assume Pedro Sánchez, do PSOE e autor da moção de censura.

Coincidentemente, a ex-presidenta da Comunidad de Madrid (governadora), Cristina Cifuentes, se demitiu para evitar uma moção de censura há pouco mais de um mês. Ela é também do PP. Cifuentes abriu mão do cargo para impedir que a esquerda chegasse ao poder em seu lugar.

Rajoy também poderia ter evitado que Sánchez se tornasse líder do governo espanhol caso renunciasse. Mas preferiu encarar a votação. O próprio Sánchez pediu cinco vezes que Rajoy se demitisse – assim, a moção ficaria suspensa. Parece confuso, mas vou tentar explicar.

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Rajoy, ex-presidente do governo, no Twitter

Como funciona a moção de censura

O sistema na Espanha é parlamentar. Ou seja, os 350 deputados eleitos nas urnas escolhem o presidente do governo, num processo que se inicia com uma proposta do rei ao presidente do Congresso depois de consultar os partidos. O nome escolhido pelo rei vai para votação no Congresso.

O parlamentarismo prevê a moção de censura como forma de censurar e destituir um governo. Na Espanha, a moção de censura implica a apresentação de um candidato para assumir a chefia do governo. No caso, quem apresenta a moção (Sánchez), que já se entende investido pelo Parlamento caso saia vitorioso na votação. Ou seja, se os deputados votam sim para a moção, então votam sim para o novo chefe do governo também.

Se Rajoy decidisse se demitir, a moção seria suspensa e o executivo seguiria interinamente até que o Congresso escolhesse o novo presidente do governo espanhol. Só ele poderia marcar eleições antecipadas. Sem a demissão de Rajoy, a moção de censura foi para votação e venceu. Assim que Pedro Sánchez virou presidente do governo espanhol nesta sexta.

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Pedro Sánchez, novo presidente do governo espanhol, no Twitter

Como o PSOE conseguiu maioria

Lá no começo eu disse parecia impossível derrotar o PP no Congresso. O PSOE, tradicional partido de esquerda, não vinha bem nas urnas. Tem 84 deputados atualmente, mas Sánchez precisava de 176 votos. Como conseguir maioria? A princípio, havia uma expectativa de que outros partidos grandes apoiassem a moção de censura: Podemos, à esquerda, e Ciudadanos, à direita. São dois partidos relativamente novos, mas que vêm ganhando apelo popular e força política.

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Sanchéz e Pablo Iglesias, líder do Podemos (foto Dani Gago)

Ciudadamos, atual líder nas pesquisas de intenção de voto e aliado do PP, recuou. O partido queria eleições antecipadas – para isso, o ideal seria que Rajoy se demitisse, como expliquei acima. Podemos, que faz forte oposição ao PP, prometeu apoio a Sánchez. Mas não era suficiente. Juntos, PSOE e Podemos somam 151 deputados.

Numa aliança improvável, o PSOE conseguiu reunir partidos nacionalistas e independentistas da Catalunha e do País Basco na véspera da votação – quando saiu a sentença do caso Gürtel, que condenou o próprio PP como agente da corrupção e agravou a crise ética na Espanha. Foram 180 votos a favor da moção e, portanto, de Sánchez, o novo presidente do governo espanhol – depois de muitas derrotas políticas do socialista.

Sánchez prometeu novas eleições, mas não especificou quando (reforçando que o sistema aqui é parlamentarista). O desafio, num primeiro momento, é manter o apoio que conquistou, já que vai governar em minoria, e dialogar com todas as regiões da Espanha. Desde que me mudei para Madrid ficou claro que Rajoy tem dificuldade em reconhecer a pluralidade do país.

Confira meu post sobre o movimento de independência da Catalunha, que ganhou desdobramentos no ano passado

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Pablo Iglesias, líder do Podemos, no Twitter

Repercussão

Boa parte da imprensa espanhola vê com desconfiança o novo governo e questiona a aliança que se consolidou nos últimos dias. “Um governo inviável”, escreve o El País, embora destaque que há um “indiscutível imperativo ético” que obriga a afastar Rajoy. Completa que o novo governo “deveria contar com um programa e apoios parlamentares que proporcionem estabilidade política e econômica em um momento especialmente delicado. Infelizmente, não vai ser assim”.

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Albert Rivera, lídero do Ciudadanos, no Twitter

Ciudadanos prometeu uma oposição firme ao novo governo. Já a esquerda comemorou muito a queda de Rajoy e do PP. “Sí, se puede”, cantaram os deputados após a votação. PSOE e Podemos encaram o triunfo como uma chance de recuperar direitos sociais no país e promover um governo de mais igualdade.

É também uma resposta aos casos de corrupção que se acumulam no PP. O fato é que a moção de censura reforçou a união dos dois principais partidos de esquerda já pensando numa futura eleição – com um PP bem enfraquecido.

Partidos novatos x partidos tradicionais

O Instituto Metroscopia realizou uma pesquisa para o El País, em maio, testando a intenção de voto dos espanhóis. O levantamento confirmou a queda dos dois partidos que se revezam no poder desde a década de 80, PP e PSOE, e a ascensão das novas legendas. Ciudadanos ficou com 29,1%, Podemos com 19,8%, PP com 19,5% e PSOE 19%.

Seguirei por aqui acompanhando os novos episódios da política espanhola e qualquer novidade volto para editar o post.

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Foto mais emblemática do fim da era Rajoy (Dani Gago)
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