O que pensam os espanhóis sobre a monarquia?

Além da pandemia, da crise econômica e da guerra política que se instalou num país e num Congresso altamente fragmentados, a monarquia espanhola roubou a atenção da imprensa, dos partidos políticos e da população nos últimos meses. A fuga do rei emérito Juan Carlos I (pai do atual Rey Felipe VI) por conta de um escândalo de corrupção aprofundou o debate sobre a monarquia, cujo prestígio já não é o mesmo.

Na Espanha, o rei é o chefe de estado e tem o papel de unificar um país historicamente dividido e com movimentos independentistas. Hoje em dia, no entanto, a monarquia também divide profundamente os espanhóis.

Uma pesquisa comandada pela Plataforma de Medios Independientes e divulgada com detalhes pelo ótimo site Contexto y Acción abordou a opinião pública a respeito da monarquia em diversos aspectos. Foram ouvidos 3 mil espanhóis de 16 a 90 anos.

Vale destacar de cara que, se houvesse um referendo, 40,9% optaria pela república e 34,9% pela monarquia, com 12,9% de indecisos (o resto votaria em branco ou não votaria). É uma baita queda de crédito se levarmos em conta que, em 94, a monarquia tinha uma nota média de confiança de 7,4 (dados do Centro de Investigación Sociológicas – CIS).

Na época, o país era basicamente bipartidarista. Isso significa que a monarquia conseguia representar espanhóis de diferentes ideologias – tanto do PSOE (à esquerda) quanto do PP (à direita). Em 94, de acordo com o CIS, o nível de confiança era basicamente o mesmo nos eleitores dos dois partidos.

Agora a monarquia sofre duras críticas do eleitorado de esquerda do Unidas Podemos, partido republicano, e divide o atual eleitorado de centro-esquerda do PSOE, que já valorizou mais o sistema político espanhol (monarquia parlamentarista).

É fácil concluir que a monarquia passou a representar apenas a direita, a ultradireita e seus adeptos na Espanha. Inclusive, o PP mais parece um porta-voz da família real no Congresso atualmente, sobretudo quando o foco é atacar Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos.

Sobre a necessidade de fazer uma consulta popular nos dias atuais, esquerda e direita se separam mais uma vez. Enquanto os votantes de Unidas Podemos (94%) e PSOE (59,8%) são a favor de um referendo em sua maioria, muitos dos eleitores de PP (75,2%), Vox (74,6%) e Ciudadanos (57,3%) dizem não.

A divisão não é apenas ideológica. A pesquisa indicou que os jovens entrevistados preferem república a monarquia, que costuma ter a defesa dos mais velhos. É bem fácil perceber essa diferença de pensamento entre as gerações.

Na verdade, este é o primeiro estudo que confirma o que noto nas conversas e nas ruas: o movimento a favor da república tem crescido. Até bem pouco tempo, mesmo com eventuais críticas e desconfianças, a monarquia sempre liderava a preferência dos entrevistados.

Há também um racha territorial. Catalunha e País Basco, regiões com movimentos históricos de independência, se manifestam muito mais a favor da república. Já Madrid, lar da família real, é a comunidade do país com maior tendência à monarquia – defendida por 46,3% dos entrevistados madrilenhos.

Mas não pensem que o descrédito com a monarquia é fruto apenas do escândalo de corrupção envolvendo o rei emérito. Esse é um movimento que vem se intensificando nas últimas décadas. No início do texto, eu contei que a monarquia tinha uma nota média de confiança acima de 7 na década de 90. Em 2015, na última vez que o CIS pesquisou sobre monarquia, a nota média tinha caído para 4,3.

Embora os resultados sejam um reflexo de como os espanhóis pensam hoje sobre a monarquia, há pouco diálogo efetivo e esclarecedor, tanto que não é pequeno o número de indecisos a respeito de qual seria o sistema político ideal para a Espanha.

Eu ainda acho estranho morar num país que é uma monarquia até hoje. Pelo que pude observar, mesmo em Madrid, cada vez mais espanhóis defendem a república presidencialista. É de fato uma tendência, principalmente entre os mais jovens. E a relação dos moradores com a família real é bem menos intensa do que percebi na temporada que passei em Londres, por exemplo.

* FOTO EM DESTAQUE: REUTERS

Crédito: Javier Barbancho
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