Pela primeira vez desde a redemocratização, a Espanha tem um governo de coalizão. E é de esquerda. Depois de muitos impasses em 2019, PSOE e Unidas Podemos chegaram a um consenso e conseguiram acordos suficientes para conquistar maioria simples no Congresso. O socialista Pedro Sánchez se tornou presidente do governo com 167 votos a favor e 165 contra – reforçando o racha na política espanhola. Foi a vitória mais apertada que o país já registrou em tempos de democracia. As 18 abstenções (também negociadas) foram decisivas.
Como chegamos até aqui? Em junho de 2018, contei que, também pela primeira vez na história democrática da Espanha, foi aprovada uma moção de censura, mecanismo previsto no parlamentarismo para destituir um governo. Sánchez, então na oposição, conseguiu o que parecia impossível: uniu nacionalistas e independentistas para derrubar Mariano Rajoy, do PP, tradicional partido de direita, depois de mais um escândalo de corrupção.
A questão é que Sánchez assumiu o posto de presidente do governo, mas não conseguiu aprovar o orçamento de gastos para 2019. Como consequência, as eleições foram antecipadas, conforme narrei neste outro post. Com PSOE superfavorito nas pesquisas, a expectativa era de que o partido de Sánchez chegasse facilmente a um acordo com Podemos e as legendas de esquerda formassem a primeira coalizão da nova democracia espanhola.
Não rolou e o PSOE terminou sem apoio algum no Congresso. Sánchez acabou levando a pior nas duas tentativas de maioria (absoluta e simples). Resultado: mais uma eleição geral marcada em 2019 – a quarta em quatro anos. Neste texto, expliquei como o país e seu Congresso se fragmentaram ao ponto de não conseguir formar um governo nos últimos anos.
Vale sublinhar que no período de indefinição, entre uma eleição e outra, o movimento separatista e os conflitos na Catalunha se intensificaram, inclusive com a prisão de lideranças políticas. Ao mesmo tempo, renascia um forte nacionalismo na Espanha, o que ajuda a explicar o crescimento meteórico do VOX.
O partido de ultradireita se converteu na terceira força nacional após a última eleição, em novembro, pulando de 24 a 52 cadeiras no Congresso. Por sua vez, PSOE voltou a vencer a eleição, mas perdeu alguns deputados em relação ao pleito de abril e se deu conta de que sem aliança não conseguiria chegar nem perto de uma maioria no Congresso.
E, assim, pulamos para o acordo entre PSOE e Podemos – além de outras negociações, inclusive em busca das abstenções – e a esperada coalizão, que é tendência na Europa. Os partidos de esquerda prometem formar um governo progressista, moderno, feminista e mais aberto ao diálogo. Resta saber de que forma os aliados vão resolver suas diferenças e questões internas.
Do outro lado, uma oposição forte pretende jogar duro no Congresso, sobretudo no que depender do radicalismo nacionalista do VOX. Aguardamos os próximos capítulos da política espanhola, que anda bastante emocionante nos últimos anos. E eu volto com novidades a qualquer momento.
* FOTO EM DESTAQUE: EFE