A Espanha caminha para a segunda eleição geral em menos de sete meses e a quarta em quatro anos – um caso inédito no país. A última foi realizada no fim de abril. Como não houve acordo entre os partidos e Pedro Sánchez, do PSOE, não conseguiu maioria no Congresso, o Rei Felipe VI convocou novo pleito, alegando que nenhum candidato teria apoios suficientes.
Portanto, hoje, dia 10 de novembro, os espanhóis voltam às urnas – desanimados e sem esperança de que o panorama mude. O fato é que as pesquisas preveem um Congresso ainda mais fragmentado. Parece difícil entender o perrengue para escolher um novo presidente do governo na Espanha, mas vou tentar explicar.
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O sistema espanhol é parlamentar. Uma monarquia parlamentarista, para ser mais exata. A votação popular mais importante é para o Congresso, já que os 350 deputados eleitos escolhem o novo presidente do governo, num processo que demanda acordos prévios em busca de maioria na Casa.
É neste contexto que entra em cena o rei. Ele escuta os partidos e apresenta um nome ao presidente do Congresso para votação aberta. No caso, quem tem mais condição de governabilidade – em geral, o líder do partido vitorioso na eleição para o Congresso.
Foi o que aconteceu com Sánchez em abril e tudo indicava que PSOE e Unidas Podemos se acertariam rapidamente em busca da sonhada maioria.
Aqui vale um parêntesis: na contramão do que vem acontecendo na Europa, a Espanha nunca teve um governo de coalizão desde que a democracia foi recuperada. É bem verdade que isso era mais difícil de acontecer quando PSOE, à esquerda, e PP, à direita, dominavam o cenário político nacional.
Nos últimos anos, após a última crise econômica e muitos escândalos de corrupção (envolvendo sobretudo o PP), os políticos tradicionais foram ganhando rejeição. Com isso, novos partidos surgiram e cresceram: Unidas Podemos, de esquerda, Ciudadanos, de direita (já flertou com o centro), e o novato VOX, de ultradireita.
No caso do VOX, vale ressaltar que seu crescimento meteórico tem relação direta com o renascimento de um forte nacionalismo na Espanha. Falo melhor sobre isso abaixo.
Voltando ao Congresso, parece impossível chegar a uma maioria hoje em dia sem acordos. A não ser que o partido campeão de votos nas urnas consiga de cara um número suficiente para governar (176 cadeiras ou mais), o que é bem difícil de acontecer com a divisão atual do eleitorado e a quantidade de legendas.
Pela primeira vez, nas eleições de abril, a Espanha parecia caminhar para um governo de coalizão – no caso, de esquerda. Mas PSOE e Podemos bateram cabeça e não entraram em acordo. Sánchez acabou isolado e sem apoios no Congresso. E, assim, chegamos à nova eleição – com um partido jogando a culpa no outro e pouco diálogo.
Congresso e eleitorado divididos
A questão é que as pesquisas indicam que nem a esquerda nem a direita conseguirão maioria na eleição deste domingo. Ou seja, é grande o risco de seguir o impasse político na Espanha. Inclusive, os espanhóis não botam fé num grande pacto e não acreditam em acordos que garantam a estabilidade de um novo governo. Muitos acham que persistirá o bloqueio político e, com isso, a dificuldade de lograr governabilidade.
A expectativa é de que o PSOE, liderado por Sánchez, ganhe novamente a eleição – com mais ou menos 117 deputados, seis a menos do que em abril. Isso significa que, mais uma vez, os socialistas vão precisar de apoios para conseguir maioria.
O problema é que Sánchez pode não chegar a uma maioria mesmo com eventuais apoios de Unidas Podemos e Más País. Logo, outros acordos serão necessários para evitar mais uma eleição no ano que vem.
Um adendo: a maioria do eleitorado, conforme pesquisa publicada pelo El País, prefere um pacto liderado pelos partidos de esquerda (PSOE, Unidas Podemos e Más País) e os nacionalistas.
De todo modo, a pesquisa aponta que o bloco de direita vai crescer neste pleito e pode ficar a poucos deputados de alcançar a esquerda (ou até passar). Mesmo assim, PP, Ciudadanos e VOX dificilmente chegariam a uma maioria sozinhos. Ou seja, mais do que nunca, o diálogo e as articulações serão fundamentais no Congresso.
Crise na Catalunha
Chama a atenção o rápido avanço do partido de extrema direita nos últimos meses. O VOX pode chegar a 46 cadeiras – foram 24 em abril – e, com isso, ficar em terceiro lugar. Muitos desses votos foram, na última eleição, do Ciudadanos, que corre risco de passar de 57 a 18 deputados agora. Mas é bom lembrar que existia uma expectativa maior em cima do VOX em abril que não se confirmou.
Os especialistas argumentam que os conflitos na Catalunha, incluindo a prisão de líderes políticos, e o fortalecimento do movimento separatista explicam o ressurgimento do nacionalismo espanhol e têm sido fundamentais para o crescimento do partido mais antidemocrático que a democracia espanhola já viu.
Tanto que, segundo a mesma pesquisa divulgada pelo El País, a crise na Catalunha é levada mais em conta pelo eleitorado de direita do que de esquerda. Em média, 36% dos eleitores se preocupam muito com o assunto na hora de votar. No caso dos simpatizantes do VOX, 67,8% assume ter muito interesse no tema.
Por outro lado, é provável que os catalães elejam mais deputados independentistas do que de costume, o que pode deixar o Congresso ainda mais fragmentado e dificultar o diálogo e a formação de uma maioria.
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Outro fator a ser levado em conta é a abstenção. O voto na Espanha é facultativo e, geralmente, uma participação maior do eleitorado favorece a esquerda. Quando a abstenção é grande, a direita costuma levar vantagem. Em abril, cerca de 75% dos espanhóis votaram – considerado um número alto – e o PSOE venceu com boa vantagem.
O desânimo, a desconfiança e o pessimismo, porém, podem diminuir a participação neste domingo. Vamos descobrir tudo isso hoje mesmo, já que a apuração é rápida. Aliás, é possível baixar o aplicativo 10N Elecciones e acompanhar em tempo real. E eu volto a qualquer momento para editar o post com as novidades da emocionante política espanhola.
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