O que pensa o madrilenho sobre a independência da Catalunha

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Manifestação pelo direito de decidir (EFE)

Há manifestações em Madrid contra e a favor do referendo de hoje, 1º de outubro, na Catalunha. A primeira delas, na emblemática Puerta del Sol, reuniu um grupo que defende o direito de decidir do catalão. O curioso é que muitos manifestantes não tinham opinião formada sobre o movimento de independência ou até eram contra a separação, mas se posicionavam pela liberdade e a democracia. O que motivou o protesto foi a prisão de políticos catalães.

Acabou virando uma manifestação contra as decisões antidemocráticas e os escândalos de corrupção do conservador PP, que comanda o país, mas não deixou de ser um apoio à consulta da Catalunha.

Hoje, véspera da votação, houve um pequeno ato chamado “Madrid abraza a Cataluña” em Lavapiés, bairro mais multicultural do centro. Ao mesmo tempo acontecia um protesto bem maior na Plaza de Cibeles, em frente ao Palacio de Cibeles, onde fica a sede da prefeitura de Madrid. Cerca de dez mil madrilenhos se juntaram para contestar o referendo aos gritos de “viva España”, “España unida” e “yo soy español”. Muitos se vestiram com as cores do país e levaram a Constituição.

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Manifestação contra o referendo em Madrid (EFE)

Segundo o site Público, houve também manifestação de apoio à polícia nacional, saudações fascistas e bandeiras franquistas no protesto. A consulta pela independência da Catalunha reavivou um forte espírito nacionalista por aqui. Venho notando bem mais bandeiras da Espanha pelas janelas da capital.

Convocado de forma unilateral por decreto da Generelitat (governo catalão), o referendo é considerado ilegal pela justiça daqui. O governo espanhol argumenta que a consulta é inconstitucional, fala sobre oportunismo político e garante que não haverá votação. Há radicalismo por todos os lados, mas é possível encontrar políticos que defendam e estimulem o diálogo, como a prefeita de Madrid, Manuela Carmena.

Manuela foi eleita pelo Ahora Madrid, que reuniu partidos de esquerda, como o Podemos, e movimentos sociais. Escrevi sobre a prefeita da capital neste post.

Madrid dividida por gerações

A maioria dos espanhóis é contra a independência das regiões separatistas. Madrid segue esta tendência, embora haja uma significativa diferença de opinião entre os mais velhos e os mais novos por aqui.

Os “coroas” são mais nacionalistas e tendem a defender com mais força a unidade do país. Não apenas são contra a separação, como não entendem como a Catalunha pode cogitar não ser mais Espanha. Muitos defendem que o país inteiro deveria votar no referendo, já que a decisão afetaria todo mundo. No geral, acreditam que a Catalunha só teria a perder deixando de ser Espanha.

Madrid foi, por décadas, alvo de atentados do ETA, grupo separatista do País Basco (que declarou o fim da luta armada em 2011). Talvez por isso os mais velhos, que vivenciaram o auge desta fase violenta, tenham uma relação mais conflituosa e radical com os movimentos de independência do que os mais novos por aqui.

Entre os jovens o ponto de vista é mais amplo e não existe uma unanimidade sobre o referendo da Catalunha. Alguns, inclusive, não estão nem aí. “Da igual”, num sentido de tanto faz, como costumam falar por aqui. Até pouco tempo, não se falava muito sobre isso nas ruas de Madrid. Agora que o assunto voltou com força, até porque tem dominado as pautas da imprensa em todos os cantos da Espanha.

derechodedecidirHá os que sejam absolutamente contra a independência da Catalunha (é possível achar vários deles nas redes sociais), mas o interessante é que uma parte considerável dos mais jovens acha justo que o catalão tenha liberdade para votar e decidir seu futuro. Mesmo os que rejeitam a separação costumam defender o direito de decisão da Catalunha.

Falta de transparência

O que parece impedir uma adesão maior ao direito de votar entre os jovens é o fato de a consulta ter sido convocada de forma unilateral. Outro ponto levantado em Madrid é a pouca transparência nas regras do referendo, cuja lei não estabelece uma participação mínima.

Os separatistas alegam que se houver votos suficientes a independência estará legitimada. O problema é que não esclarecem quantos votos são necessários. Segundo o artigo 4, basta ter mais votos “sim” do que “não”. O pessoal por aqui estranha que não esteja previsto um número mínimo (lembrando que o voto não é obrigatório).

Muito se fala também que a Generalitat ignorou as consequências de inflamar a população sabendo que a consulta não tinha base legal. Há ainda quem comente por aqui sobre o radicalismo independentista que não dá voz aos catalães que são contra a separação (e não são poucos).

A questão é que muitos veem erros e radicalismo dos dois lados, governo central e governo catalão, e por isso acabam tendo dificuldade para opinar. Falta diálogo e sobra arrogância.

Dúvidas sobre o futuro

Alguns destes madrilenhos mais jovens acreditam que todo mundo perderia com a possível separação. Há os que defendam a tese de que a Catalunha não conseguiria seguir na União Europeia e se prejudicaria financeiramente com a ruptura, apesar do turismo internacional forte e das indústrias (não se sabe bem se continuariam por lá). Atualizando em novembro: 1.302 empresas saíram da Catalunha desde o referendo.

Este é, na verdade, um tema nebuloso por aqui, já que ninguém faz muita ideia do que aconteceria caso a Catalunha conquistasse, enfim, a sonhada independência. É uma incógnita. Nem mesmo se seria o estopim para a volta de outros movimentos separatistas pelo país, alguns com um passado bem violento. Hoje, em Bilbao, no País Basco, houve manifestação a favor do referendo com gritos pela independência, o que ligou o sinal de alerta por aqui.

Ao menos em Madrid ninguém consegue fazer muitas previsões. Agora que começo a ler posts questionando o que aconteceria com a dívida da Catalunha caso a separação saísse do papel, por exemplo. Já percebo também algum temor em relação às consequências se o “sim” vencer a consulta (e tudo indica que vencerá).

Como o referendo é declarado ilegal pela justiça, um triunfo dos independentistas não teria valor legal para o governo central. Ou seja, seria uma declaração unilateral de independência, o que poderia abrir uma crise de resultados imprevisíveis na Espanha.

Imprensa espanhola

Os jornais mais lidos em Madrid têm se posicionado contra o referendo. O El País publicou, nesta semana, uma matéria sobre os mitos da independência da Catalunha, tentando desconstruir os argumentos dos apoiadores do “sim”. O diário chama o referendo de ilegal e escreve sobre fraude à democracia em seu editorial. Existe um claro temor de que a vitória dos independentistas provoque uma crise grave no país.

O ABC optou pela mesma linha. Quando cita o referendo, costuma emendar com um “ilegal”. Em editorial, o El Mundo destacou que “já não se trata de defender a identidade espanhola, senão o estado democrático”. E acrescentou: “se temos leis, é para que não nos governem as paixões; sim democracias, para resolver nossas diferenças ordenadamente”.

Já o Público, site de notícias sobre a Espanha com sede em Madrid, tenta ser bem isento e dar voz a todos. Hoje mesmo eles questionaram o fato de a imprensa espanhola ter omitido as saudações fascistas na manifestação contra o referendo aqui em Madrid.

Atualização

De acordo com o governo catalão, 2.262.424 votaram no referendo, sendo 90% a favor da independência (são aproximadamente 7.500.000 na Catalunha). Ao longo do dia, a imprensa espanhola apontou as irregularidades da votação, como uma mudança de regras momentos antes do início da consulta, urna improvisada no meio da rua e uma mesma pessoa votando duas vezes em lugares diferentes.

A votação foi marcada pela violência policial, com mais de 800 feridos, agravando a crise institucional na Espanha. A prefeita de Barcelona, Ada Colau, chamou de covarde o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, por “inundar de polícia” a capital catalã. O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, denunciou “o uso injustificado, irracional e irresponsável da violência por parte do Estado espanhol”. O conselheiro de justiça catalão, Carles Mundó, ressaltou que são “cenas próprias de uma ditadura” e que os catalães jamais esquecerão.

Líder do Podemos, Pablo Iglesias pediu o afastamento de Rajoy. “O que o PP está fazendo com a nossa democracia me repugna. Corruptos, hipócritas, inúteis”, escreveu no Twitter. Em outro tweet, sentenciou: “A capacidade de reprimir não revela a força do PP, mas a sua debilidade, seu medo e sua incapacidade política. Ou com o PP ou com a democracia”.

Sobram críticas a Rajoy e ao PP. Num debate entre jornalistas promovido pelo canal de televisão La Sexta, Fernando Berlín falou sobre “a ausência de respostas à corrupção e a arrogância de Rajoy com a Catalunha”, destacando que o diálogo entre o governo espanhol e o governo catalão piorou muito com Rajoy, que parece não reconhecer a pluralidade do país. Josep Cuní acredita que já virou uma grande mobilização contra Rajoy e que vai além da Catalunha. “A curto prazo não vejo ninguém com capacidade de ceder”, acrescentou.

O governo catalão também foi alvo de críticas no debate. Angélica Rubio lembrou que a Catalunha convocou unilateralmente um referendo e não cumpriu a lei.

O governo espanhol acusa a Generalitat de enganar a população e, sobretudo, os partidários da independência, declarando que este seria um referendo com garantias. “Não houve referendo nem aparência de tal”, afirmou Soraya Sáenz de Santamaría, vice-presidenta da Espanha. E completou pedindo que terminem com “esta irresponsabilidade e esta farsa”.

Rajoy evitou assumir qualquer responsabilidade, culpou Puigdemont pelos confrontos entre policiais e manifestantes nos centros de votação e prometeu um debate sobre o desafio independentista. “Vimos comportamentos que repugnam qualquer democrata: doutrinamento de crianças, assédio a juízes e jornalistas. Os responsáveis por esses atos, pelos que aconteceram hoje e pelos que nos trouxeram até aqui, são o que promoveram a ruptura da legalidade e da convivência. Não busquem mais culpados, não há.”

Segundo o coordenador nacional do PP, Fernando Martinez-Maillo, “saíram às ruas os mesmos de sempre e ficou em casa a maioria silenciosa dos catalães que não concorda com este espetáculo lamentável”.  Martinez-Maillo alega que a responsabilidade pelo que está acontecendo na Catalunha é exclusivamente da Generalitat. “Convocaram um referendo ilegal, sabendo que era ilegal, tratando de quebrar a constituição, as leis e a soberania nacional.”

Para Pedro Sánchez, líder do PSOE, Rajoy e Puigdemon são responsáveis pelo que aconteceu durante a votação e pela crise que a Espanha atravessa. Ao contrário do Podemos, o PSOE se posicionou contra o referendo, mas cobra uma negociação entre as partes. “Exigimos que Rajoy, como presidente do governo, dê uma solução política a esta grave crise, que negocie, negocie e negocie e alcance um acordo; esta é sua responsabilidade”, disse Sánchez.

A União Europeia reforçou que o referendo da Catalunha é ilegal, mas condenou a violência policial.

Continua…

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Manifestação contra o referendo em Madrid (Reuters)

5 comentários Adicione o seu

  1. Beatriz Totó disse:

    Joana Tiso, você é minha personal orientadora política. E de Espanha também. adorei seu artigo. beijoca

    Curtido por 1 pessoa

    1. Joana Tiso disse:

      Totó querida, te espero em Madrid! Beijo grande

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